segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

VERDADE OU MENTIRA?


A Verdade e a Mentira num Conto Iorubá
 Lembro aqui uma lenda africana sobre a criação do mundo. Diz assim: Olofi, o Senhor que tudo criou – O bem e o mal, o bonito e o feio, o claro e o escuro, o grande e o pequeno, o cheio e o vazio, o alto e o baixo - , criou também a Verdade e a Mentira. Fez, no entanto, a Verdade forte, marcante, bela, luminosa, e fez a mentira fraca, feia, opaca. Ao ver assim a Mentira, deu a ela uma foice com a qual pudesse se defender. A Mentira sentiu inveja da Verdade e queria eliminá-la. Certa ocasião a Mentira se defrontou com a Verdade e a desacatou. Brigaram. Empunhando sua foice, a Mentira, com um golpe, degolou a Verdade. Esta, vendo-se sem cabeça, começou a procura-la tateando por volta. Apalpa um crânio que supõe ser seu. Com esforço agarra-o e o arrancando da onde estava, coloca-o sobre seu pescoço. Mas aquela era a cabeça da Mentira. Desde então, a Verdade anda por aí enganando toda gente. 

(cf. Dulce Mara Critelli, Ontologia do Cotidiano ou resgate do ser: poética heideggeriana. São Paulo: PUC – SP, Centro de estudos Fenomenológicos de São Paulo, 1984.) 



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Só Para Relembrar...

E o samba?
Tia Ciata – Hilária Batista de Almeida (1854–1924)

 Hilária Batista de Almeida nasceu na Bahia em 1854. Aos 22 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, no êxodo que ficou conhecido como diáspora baiana. No Rio, formou nova família ao se casar com João Baptista da Silva, funcionário público com quem teve 14 filhos.
Como todas as baianas da época, era grande quituteira. Começou a trabalhar colocando o seu tabuleiro na Rua Sete de Setembro, sempre vestida de baiana. Com tino comercial, também alugava roupas típicas para o teatro e para o carnaval.
Mãe-de-santo respeitada, Hilária foi confirmada no santo como Ciata de Oxum, no terreiro de João Alabá, na Rua Barão de São Felix, onde também ficava a casa de Dom Obá II e o famoso cortiço Cabeça de Porco. Em sua casa, as festas eram famosas. Sempre celebrava seus orixás, sendo as festas de Cosme e Damião e de Nossa Senhora da Conceição as mais prestigiadas. Mas também promovia festas profanas, nas quais se destacavam as rodas de partido-alto. Era nessas rodas que se dançava o miudinho, uma forma de sambar de pés juntos, na qual Ciata era mestra.
A Praça Onze ganhou o apelido de Pequena África, porque era o ponto de encontro dos negros baianos e dos ex-escravos radicados nos morros próximos ao centro da cidade. Lá se reuniam músicos amadores e compositores anônimos. A casa de Tia Ciata, na rua Visconde de Itaúna 117, era a capital da Pequena África. Dos seus freqüentadores habituais, que incluíam Pixinguinha, Donga, Heitor dos Prazeres, João da Baiana, Sinhô e Mauro de Almeida, nasceu o samba. A música Pelo telefone foi o primeiro samba registrado, no final de 1916, e virou sucesso no carnaval de 1917.
As chamadas “tias” baianas tiveram um papel preponderante no cenário de surgimento do samba no Rio de Janeiro, no final do século XIX e início do XX. Além de transmissoras da cultura popular trazida da Bahia e sacerdotisas de cultos e ritos de tradição africana, eram grandes quituteiras e festeiras, reunindo em torno de si a comunidade que inundava de música e dança suas celebrações – as festas chegavam a durar dias seguidos. Nessa época, viviam Tia Amélia (mãe de Donga), Tia Prisciliana (mãe de João de Baiana), Tia Veridiana (mãe de Chico da Baiana) e Tia Mônica (mãe de Pendengo e Carmen do Xibuca). Mas a mais famosa de todas foi Tia Ciata, em cuja casa nasceu o samba.
Em 1935, o então prefeito do Rio, Pedro Ernesto, legalizou as escolas de samba e oficializou os desfiles de rua. Antes disso, sem horário nem percurso fixo, o indispensável era que os grupos passassem pela Praça Onze, pelas casas das “tias” baianas. Elas eram consideradas mães do samba e do carnaval dos pobres. A casa de Tia Ciata era parada obrigatória, pois era a mais famosa e muito respeitada pela comunidade. Até hoje, as tias são representadas e homenageadas nos desfiles, pela ala das baianas das escolas de samba.
Referências bibliográficas:
Moura, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. FUNARTE, 1983
Cartilha Mulher Negra tem História, de Alzira Rufino, Nilza Iraci, Maria Rosa, 1987.
Oliveira, Eduardo (org). Quem é quem na negritude brasileira. São Paulo, Congresso nacional 1998.
Lopes, Nei. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo, Selo Negro, 2004.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

LIBERDADE SERÁ?

“moço, não se esqueça que o negro também construiu, as riquezas do nosso brasil.”


100 ANOS DE LIBERDADE - REALIDADE OU ILUSÃO?


"Será.../ Que já raiou a liberdade/ Ou se foi tudo ilusão/ Será.../ Que a lei Áurea tão sonhada/ A tanto tempo imaginada/ Não foi o fim da escravidão/ Hoje dentro da realidade/ Onde está a liberdade/ Onde está que ninguém viu/ Moço.../ Não se esqueça que o negro também construiu,/ As riquezas do nosso Brasil./ Pergunte ao criador/ Quem pintou esta aquarela./ Livre do açoite da senzala,/ Preso na miséria da favela. Sonhei..../ Que Zumbi dos Palmares voltou/ A tristeza do negro acabou,/ Foi uma nova redenção./ Senhor../ Eis a luta do bem contra o mal,/ Que tanto sangue derramou,/ Contra o preconceito racial./ O negro samba,/ Negro joga capoeira,/ Ele é o rei na verde e rosa da Mangueira." (Hélio Turco, Jurandir e Alvinho)

Museu Nacional da Escravatura. "Um Lugar de Memória"



O Museu foi criado em sete de dezembro de 1977, aproveitando o edifício conhecido como a Capela do Morro da Cruz, construída na segunda metade do século XVIII. Foi residência do fidalgo português natural de Angola, Almirante das Naus Lusitanas para as Índias, Álvaro de Carvalho Matozo, (cavalheiro professo da Ordem de Cristo), filho de Pedro Matozo de Andrade, Capitão - mor dos presídios de Ambaca, Muxima e Masangano, um dos mais inveterados comerciantes de escravos. O edifício está classificado como Patrimônio Histórico Nacional pelo Ministério da Cultura através do Despacho nº 48 de 10 de novembro de 1993, consequentemente protegido pela Lei do Patrimônio Cultural.

O acervo é basicamente de imagens retratadas por pintores conhecidos como Debret, algumas constam em livros acadêmicos, como o "Ser escravo no Brasil" de Katia Mattoso. Possui também alguns objetos de torturas da época como: algemas, grilhetas, armas de fogo conhecidas como Kanyangulo, esferas usadas para impedir a fuga de escravos, cepo de madeira, flechas, mapas, gravuras, réplica das naus portuguesas e algumas esculturas.




O QUE O ATLÂNTICO UNIU, NINGUÉM IRÁ SEPARAR

O Brasil é um país extraordinariamente africanizado. E só a quem  não  conhece a África pode escapar quanto há de africano nos gestos, nas maneiras de ser e de viver e no sentimento  estético do brasileiro. Por sua vez, em toda outra  costa atlântica  podem-se facilmente  reconhecer os brasileirismos. Há comidas brasileiras na África, como há  comidas africanas no Brasil.  Danças, tradições, técnicas de trabalho, instrumentos de música, palavras e comportamentos sociais brasileiros insinuaram-se  no dia-a-dia africano. É comum que lá se ignore que certo prato ou determinado costume veio do Brasil. Como, entre nós, esquecemos  como nossa vida está impregnada de África. Na rua.  Na praça.  Na casa.  Na cidade.  No campo. O escravo ficou dentro de todos nós, qualquer que  seja  a  nossa  origem. Afinal, sem a escravidão o Brasil não existiria como hoje é,  não teria  sequer  ocupado  os  imensos  espaços que os portugueses lhe desenharam. Com ou sem remorsos, a escravidão é o processo mais longo e mais importante da nossa história. (Costa e Silva,1994)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Hierofanias: Sagrado ou Profano?


           O escritor e jornalista angolano, José Luís Mendonça escreveu um artigo para a Revista Austral, edição 89 da TAAG Linhas Aéreas de Angola, muito interessante. O texto faz referência à obra “Ilundo: Espíritos e Ritos Angolanos” de Óscar Ribas publicada originalmente em 1958.    O artigo trata do culto tradicional das sociedades banto angolanas. José Luís Mendonça discorre sobre a influência dos espíritos  na   religião negra, e muito  bem sustentado, fala sobre o sagrado e o profano e suas  “manifestações  das realidades sagradas”.


O que seria então hierofania?
Segundo o historiador de religiões e filósofo romeno Mircea Eliade, o termo é dicotômico. Demonstra que é em torno da consciência da manifestação do sagrado que se organiza o pensamento do homo religiosus. Este acredita em uma realidade absoluta, o sagrado, e desse fato assume no mundo uma forma de existência específica.
O sagrado manifesta-se sob diversas formas: ritos, mitos, símbolos, homens, animais, plantas, etc.
Ele manifesta-se qualitativamente de forma diferente do profano e chama-se hierofania, a irrupção do sagrado por intermédio do mundo profano.
Eliade considera que “O ocidental moderno experimenta certo mal estar diante de inúmeras formas de manifestação do sagrado.” É natural temer o que não se conhece ou questionar a cultura de quem pratica certas formas de crença. Ateus não creem na existência de Deus. Para muitas pessoas não cristãs, Jesus Cristo foi um homem comum e de forma alguma o santo filho de Deus. Em alguns ritos africanos cultuam-se os rios, a terra, as plantas, o vento, a caça e muitas outras formas e objetos. “É-lhe difícil aceitar que, para certos seres humanos, o sagrado possa manifestar-se em pedras ou árvores, por exemplo,”. Mas, (...) não se trata da veneração da pedra como pedra, de culto a árvore como árvore, são-no justamente porque são hierofanias, porque “mostram” qualquer coisa que não é pedra nem árvore, mas o sagrado, o <<ganz andere>> (ELIADE, 21).

Profano é todo aquele objeto, pessoa, elemento da natureza que faz parte das coisas comuns do nosso mundo. A manifestação de algo <<de ordem diferente>> de uma realidade que não pertence ao nosso mundo natural “profano” é então sobrenatural, portanto, hierofania.
Esse é o ponto que Mendonça despertou em relação ao “Ilundo”. Óscar Ribas reúne em sua obra um patrimônio único da oralidade africana, apontou sabedorias do “Quimbanda”, um misto de médico e botânico, direcionado por espíritos.
Como já se disse antes, a obra “Ilundo” trata das hierofanias da sociedade banto angolana, apresentando nas suas manifestações espirituais, ou ideais, formada pela cresça em, “Entes Sobrenaturais” e as suas manifestações naturais, ou formas visíveis e palpáveis de expressar a sacralidade, que começam pela presença dos “Ministros do culto”, chegando até os Ritos Diversos”. A obra tem uma nota de ‘Esclarecimento’, uma ‘Introdução em um ‘Elucidário’ final, constituindo no seu todo 205 páginas úteis.
Temos vários exemplos de hierofanias em diversos cultos e religiões. O catolicismo pratica a veneração aos santos e cultuam sua representação em imagens de gesso ou esculpidas em madeira. Os fiéis afirmam ter recebido do santo, a realização de um milagre. O reconhecimento desse milagre pela Igreja Católica, em seu processo de canonização, faz do homem comum, um santo. A manifestação da fé atribuída a esse homem agora santificado, consagrado, é uma forma de hierofania.
O protestantismo em suas várias denominações também tem suas hierofanias. As Igrejas Pentecostais baseadas no livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 2 da Bíblia Sagrada, afirmam que seus membros manifestam o “Espírito Santo” ao falar em ‘Línguas Estranhas’, prever o futuro pelo “Dom da Revelação de Deus” e fazer movimentos estranhos com o corpo. Alguns chegam a imitar movimentos como o da pomba, por ser o pássaro a representação do Espírito Santo, mencionado na Bíblia.

A própria Bíblia é uma hierofania. O livro reúne vários outros livros e epístolas, denominados Evangelho. A Bíblia é um livro sagrado para o cristão, pois nele está “A Palavra de Deus”. Para outros é apenas um livro histórico, com alguns fatos não reconhecidos pela Arqueologia e pela própria História. O que a torna sagrada é a crença que nela está “a palavra de deus”. O livro pelo livro é natural, é “profano”.
Poderia ainda falar sobre Judeus, Islâmicos, Ortodoxos, Hindus, Rituais Indígenas e todos os outros cultos, porém o que importa para o ser humano é crer em algo ou alguém. Cada pessoa tem a sua forma particular de encontrar o equilíbrio interior e de se relacionar com o mundo espiritual.  

Sabrina de Oliveira




Referência Bibliográfica: ELIADE, Mircea, O Sagrado e o Profano – A Essência das Religiões; livros do Brasil, p.21, Lisboa, (sem data).
Revista Austral, TAAG, edição 89, Jan. e Fev./2012.